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Finalmente o Brasil acordou para as mazelas de nossos governantes e
representantes do povo. A incompetência administrativa, a má gestão do dinheiro
público, a corrupção, os atos de imoralidade administrativa (calote público de
suas dívidas, nepotismo, descaso com as prioridades do povo, abusos e
arbitrariedades fiscais, tratamento diferenciado aos “amigos e companheiros”,
falta de transparência administrativa), impunidade, dentre muitos outros, que
me abstenho de continuar a relacionar para que o texto não fique cansativo.
Penso que o estigma de povo “cordeiro”, tolerante, que se passa por
otário, acabou.
Nós brasileiros temos que ter a clareza que o Estado existe para servir
o povo e não o contrário. Os governantes, da mesma forma, tem o dever de ter
essa consciência, ou seja, da sua obrigação moral e constitucional de servir e
não a cultura que hoje predomina que é “tirar proveito do poder”.
Essas manifestações que hoje vemos já está entrando para a história, não
só pelo rompimento do silêncio, mas pela amplitude das reivindicações. Bem
diferente das manifestações pontuais das “Diretas Já” e dos “Cara Pintadas”.
As manifestações, apesar dos incômodos na rotina dos cidadãos,
principalmente nas grandes cidades, é necessária e plenamente legítima. Acho
ainda que essas manifestações não devem parar até que o governo se manifeste de
forma transparente, com vontade política para tomar atitudes para mudar o que
deve ser mudado (mutatis mutantis), a
fim de atender as reivindicações do povo brasileiro.
Governar não é dar murro na mesa e ficar bravo. É ter atitude.
Não podemos mais transigir com as “mazelas” citadas anteriormente.
Pagamos tributos de nível de países de primeiro mundo (40% do PIB - semelhantes
a países como a França e Austrália), mas os serviços públicos são de terceiro
mundo e pior, quem pode, paga tudo de novo (escola particular, segurança
particular, plano de saúde, previdência privada e assim vai).
Antes de imaginar que essa “explosão de cidadania“ fosse eclodir,
resolvi fazer uma viagem diferente com meus filhos João Pedro (09) e Isadora (06)
à cidade do Rio de Janeiro.
Pela primeira vez como um mero turista, resolvemos aproveitar a Copa das
Confederações para assistir ao jogo da Espanha e Taiti ocorrido na quinta-feira,
dia 20 de junho de 2.013, e, para visitar os principais pontos da Cidade
Maravilhosa, no restante do final de semana.
Realmente valeu a pena. A cidade é linda e é perceptível que está
ficando cada vez mais arrumada, sem contar que muitas obras estão em andamento.
Pão de Açúcar, Cristo Redentor, Jardim Botânico, Forte de Copacabana,
Confeitaria Colombo, museus e como não poderia deixar de ser, pegamos uma
praia, mesmo nessa época do ano. Foram esses nossos principais passeios. Enfim,
muita beleza e história do Brasil.
Mas o que eu gostaria de destacar nessa crônica foi o primeiro dia do
passeio, que tem tudo a ver com esse momento histórico que estamos vivendo.
Foi uma experiência única para mim. Imagine então para meus “pequeninos”...
Como eu já disse antes, o jogo da Espanha contra o Taiti foi no dia
20.06.13, quinta-feira, às 16 horas. Assim, para não atrapalhar a escola e o
meu trabalho, optei por chegar ao Rio no mesmo dia, pela manhã.
Hoje, analisando friamente, em se tratando de Brasil, acho que arrisquei
demais, sem contar que naquela quinta-feira (20), foi o dia das grandes manifestações
em todo o Brasil. Para arrematar, o ponto de encontro no Rio foi na Candelária,
há 100 metros no nosso hotel.
De fato, ocorreu que nosso voo foi cancelado e ao invés de chegarmos
antes das 11 horas, pousamos no Aeroporto Santos Dumont às 14h45min, ou seja, 1
hora e 15 minutos antes do jogo.
Eu e as crianças fomos correndo pegar a mala na esteira do aeroporto;
tomamos um taxi para o Hotel; fizemos check-in;, retiramos o ingresso do jogo
que foi comprado pela internet (sorte que nosso hotel era um dos pontos de
entrega de ingressos); nos trocamos (claro que colocamos a camisa da seleção da
Espanha, em razão de nossa dupla cidadania); e em seguida, entramos no metrô
lotado e mal sinalizado. Para piorar, pegamos a linha vermelha do metrô e
descemos na estação Afonso Pena que fica cerca de 02 quilômetros de distância
do Maracanã.
Com passos largos, Joao Pedro e eu, com a Isadora nos ombros (um
verdadeiro teste de resistência) fomos à pé e finalmente chegamos ao “Macara”. A antes de
entrar no estádio e subir até o nível 05, fomos entrevistados por uma emissora
de televisão. Respondendo à pergunta da repórter, Isadora arriscou o placar de
12 a 0. Joao Pedro indicou o placar de 8 a 0.
Enfim, sentamos em nossas cadeiras com 07 minutos de primeiro tempo de
jogo e já estava 1 a 0 para a Espanha.
Foi uma festa. O Maracanã totalmente reformado, lindo e lotado (quase 72
mil pessoas), e a “Fúria” ganhou por 10 a 0. Foram tantos gols que ficamos roucos.
Outro destaque foi que no meio do jogo, o Maracanã inteiro cantou o hino
brasileiro; além das palavras de ordem, como: “povo unido jamais será vencido” e ainda cantou: ”sou brasileiro com muito orgulho, com muito
amor”. Foi de arrepiar. Nesse momento percebi que o povo está em sintonia e
com o mesmo sentimento de exigir mudanças, o que é muito animador.
Com o final de jogo, fomos até a residência de nossos amigos Adriana e
Fernando fazer um lanche. O aparamento deles fica há 50 metros do estádio (é só
atravessar a rua) e pela sacada vemos o Maracanã inteiro aceso e também o
Cristo Redentor lá no alto, iluminado.
De lá, ao acompanharmos a cobertura dos protestos pela TV, começamos a
ter a verdadeira noção do tamanho da manifestação e dos problemas que estavam
ocorrendo na cidade do Rio de Janeiro. Para os organizadores da manifestação
havia 600 mil pessoas. Para a polícia militar, 300 mil. Seja qual for o número,
é muita gente.
Minha preocupação, naquela altura, era como chegar ao hotel, que estava
no “olho do furacão”.
Por volta de 21 horas, as reportagens davam conta que a região da
Candelária já estava vazia e a manifestação tinha se dirigido à Prefeitura.
Para garantir, telefonei para o hotel e
me informaram que realmente já era possível passar veículos.
Diante disso e com o cansaço nos castigando, resolvi arriscar e pegamos
um taxi para voltar ao hotel.
Assim que saímos na calçada, um taxi parou. Quando disse para onde
queríamos ir, ele se recusou a fazer a corrida. Depois de muita insistência o
motorista cedeu.
O taxi fez uma volta bem grande para evitar a região da Prefeitura e da
Central do Brasil. O caminho ia bem, quando no final da Perimetral, perto do
centro, o trânsito parou. Havia naquela região uma repressão da polícia contra
manifestantes que podíamos ver de longe. Mesmo com a distância, a brisa trouxe
um pouco do gás lacrimogênio e nosso olhos e narinas começaram a arder. No
sentido oposto da pista podemos observar que um ônibus com alguns vidros
quebrados estava cheio de passageiros cobrindo o nariz com lenços e panos.
Em seguida o trânsito foi liberado e não sabíamos o que íamos encontrar.
O esperto e atento taxista fez um caminho alternativo pelo centro velho e
durante esse trajeto pudemos testemunhar um rastro de destruição.
Lixo espalhado por todo lado. Muitas fogueiras pelas ruas, provavelmente
formadas pelo lixo; postes de radares derrubados (o carioca chama de pardal);
orelhões arrancados e jogados no meio das avenidas e até uma enorme caçamba foi
arrastadas para o meio da Avenida Presidente Vargas. E, quase todos os vidros
de lojas e de bancos quebrados.
Realmente um cenário de guerra que nunca vi em minha vida. Essa paisagem
era tão chocante que até a Isadora fez comentários de indignação.
O mais estranho de tudo, é que o nosso taxi era o único veículo que
estava perambulando na região do centro. Não havia um só ônibus, taxi ou
veículo de passeio circulando naquela região do centro velho (que em situações
normais o tráfego de carros e de pessoas é muito grande), mas apenas
manifestantes vagando pelas ruas escuras e sujas que mais pareciam “zumbis”.
Todo esse cenário nos fez sentir como se estivéssemos dentro de um filme
de ficção científica, como se eu, Joao Pedro, Isadora e o taxista, fosssemos os
únicos seres humanos vivos da cidade. Foi algo parecido com o Filme “Ensaio
Sobre a Cegueira“ (2008), dirigido por Fernando Meireles.
Finalmente chegamos ao hotel que estava com tapumes em sua fachada para
proteger de vandalismos.
O gerente do hotel veio rapidamente ao nosso encontro na calçada e
pensando que éramos “gringos”, foi nos recepcionar e pedir desculpas em
espanhol, justificando que essas manifestações não eram comuns no Rio.
Ao entramos no hall de entrada, outra cena chocante. Os funcionários do
hotel estavam todos meio que assustados e com lenços no nariz por causa do gás
lacrimogênio jogado na rua pela polícia. Como estava tudo fechado, o ar não
circulava e o gás que penetrou castigava
as pessoas.
Por conta disso nos dirigimos rapidamente ao elevador e subimos ao apartamento.
Somente nesse momento comecei a ficar tranquilo e agradecer a Deus pela
proteção e por ter dado tudo certo.
Foi uma verdadeira aventura, mas nada disso tirou o brilho do primeiro
dia de nossa viagem.
Realmente, valeu a pena, não só pelo passeio e por ver tanta beleza que
a Cidade Maravilhosa proporciona, mas também, porque fomos testemunhas oculares
de uma parte da história que o Brasil está vivendo.
Uma experiência incrível, para ficar registrada em nossas memórias!