Dia destes
tive um sonho perturbador.
Nesse
sonho, que parecia real, eu estava passando por um lugarejo muito antigo e
tranquilo. Era fim de tarde, quando resolvi entrar na única igreja daquele
local para conhecer seu interior e também para rezar um pouco.
Quando
adentrei na referida igreja me deparei com todas as luzes apagadas, mas pude
ver que havia um homem franzinho que instantaneamente ficou me olhando
fixamente. Me adiantei a qualquer ação daquele senhor e rapidamente indaguei se
a igreja estava fechando.
Naquele “breu”,
o homem veio ao meu encontro e se apresentou como o sacristão da paróquia e
prontamente começou a explicar aquela situação.
Em tom de
muita tristeza ele me narrou que o “sistema”, que controlava o tempo das
pessoas (que seria um regime ditatorial), colocou o padre na clausura e a
igreja foi proibida de acender as luzes para evitar que as pessoas entrassem.
O
sacerdote, no sermão de suas missas, cada vez mais cheias, criticava e
contestava o controle do tempo pelo “sistema”. Assim, em represália, os
censores tomaram essas providencias para silenciar o padre.
Neste
sonho, nosso tempo era controlado e não tínhamos a liberdade de fazer dele o
que fosse do nosso desejo. Ninguém podia
ficar parado, relaxando, por exemplo, pois, o tempo sempre devia estar
preenchido com algo produtivo e logo compreendi que o padre do sonho estava
certo.
Senti uma
angústia e um certo desespero quando acordei do sonho levemente ofegante.
Na meio da
madrugada, fiquei pensando sobre o seu significado ou sobre a correlação com a
realidade.
De fato,
somos vítimas da opressão do tempo na vida real, assim como ocorre nos regimes
de ditadura.
A despeito
de não existir um “sistema” ou um “regime”, a modernidade nos impõe tanta pressão e tantas
obrigações que praticamente não temos tempo para nada.
Não temos
tempo para cuidar da gente; não conseguimos praticar pequenas “vadiagens”; não
mais paramos para sentir o frescor da alvorada; não contemplamos nosso colorido
crepúsculo até chegar a “boca da noite”; não mais olhamos as estrelas para
procurar as “três Marias” ou o “Cruzeiro do Sul”; convivemos muito pouco com
nossos familiares; não conseguimos bater papo com nossos amigos, ainda que por
05 minutos; não conversamos na calçada com nossos vizinhos; não conseguimos
ficar sem fazer nada...
Se fizermos
uma contabilidade do nosso tempo diário, poderemos constatar que raramente ou
quase nunca nos permitimos desfrutar de pequenos prazeres.
O dia tem
24 horas e ainda é pouco. Fazendo-se um rápido exercício, tendo por base os afazeres
diários do cidadão comum, quase sempre vamos ter um resultado negativo, isto é,
falta tempo.
Pela manhã,
levamos cerca de 15 a 20 minutos para tomar café da manhã. Depois, considere o
tempo de deslocamento até o trabalho. Em seguida calcule o tempo que você fica
no trabalho. Não se esqueça de adicionar o tempo do almoço, do retorno para
casa, da aula de inglês, da academia. Ainda temos o banho, o jantar, a tarefa
dos filhos, a conversa com o cônjuge e a atenção aos “filhotes”, a novela, o
Big Brother ou o jogo de futebol, uma olhada nos e-mails, no facebook, uma lida
em algumas páginas do livro de cabeceira. Se o ânimo permitir, tem a intimidade
do casal ou dos companheiros.
Como se
pode ver, dificilmente sobra tempo. Ao contrário, falta tempo, e cada vez mais.
Para que
nosso dia não se transforme numa tragédia, temos que torcer para ter sorte de
não ocorrer qualquer fato imprevisível como: o conserto do carro ou a
necessidade de alguma a manutenção na casa, de resolver algum problema com seu
gerente bancário, ir ao médico, ao dentista, reunião de pais na escola,
aniversários ou outros eventos sociais. Tudo sem contar eventuais viagens de
negócios, visita a alguém doente, velório e etc.
A frase que
mais ouço quando encontro alguém que há tempos não vejo é a seguinte: “tô numa
correria...”.
Ao invés de
nos preocupar em reservar um tempo para a gente, preferimos bisbilhotar o tempo
dos outros nas redes sociais.
Para quê
tudo isso? Precisamos viver nessa loucura? Vale a pena o resultado final? Não
estamos pagando um preço caro demais?
O tempo
sempre foi o mesmo, no entanto, temos a nítida impressão que os dias, as
semanas, os meses e o ano, em fim, tudo está passando mais rápido.
Essa
sensação pode ser debitada pela facilidade e pela rapidez do acesso às
informações e à comunicação. Assumimos cada vez mais obrigações e
responsabilidades, abrindo mão de pequenos prazeres e de hábitos saudáveis.
É óbvio que
a modernidade e o progresso trouxeram mais conforto, facilidades, mais
expectativa de vida. Mas será que é uma boa idéia ficarmos tão bitolados e
submetidos à pressão de um mundo excessivamente consumista?
É claro que
não.
Precisamos
ter a consciência que “o tempo não para”, de modo que, ao chegar na velhice,
olhar para trás e se arrepender daquilo não se fez, é o pior dos
arrependimentos.
Não nos
demos conta ainda, mas, na verdade, somos reféns do tempo moderno e o grande
desafio é nos libertar, para que possamos ter o mínimo de “qualidade de vida”.
Precisamos saber viver a vida e não simplesmente sobreviver.
Precisamos
ter tempo de pensar, de refletir, de contemplar, para não ficamos alienados e escravizados
pelo trabalho, apenas para acumular bens e poder.