quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

CRÔNICA – REFENS DO TEMPO

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Dia destes tive um sonho perturbador.

Nesse sonho, que parecia real, eu estava passando por um lugarejo muito antigo e tranquilo. Era fim de tarde, quando resolvi entrar na única igreja daquele local para conhecer seu interior e também para rezar um pouco.

Quando adentrei na referida igreja me deparei com todas as luzes apagadas, mas pude ver que havia um homem franzinho que instantaneamente ficou me olhando fixamente. Me adiantei a qualquer ação daquele senhor e rapidamente indaguei se a igreja estava fechando.

Naquele “breu”, o homem veio ao meu encontro e se apresentou como o sacristão da paróquia e prontamente começou a explicar aquela situação.

Em tom de muita tristeza ele me narrou que o “sistema”, que controlava o tempo das pessoas (que seria um regime ditatorial), colocou o padre na clausura e a igreja foi proibida de acender as luzes para evitar que as pessoas entrassem.

O sacerdote, no sermão de suas missas, cada vez mais cheias, criticava e contestava o controle do tempo pelo “sistema”. Assim, em represália, os censores tomaram essas providencias para silenciar o padre.

Neste sonho, nosso tempo era controlado e não tínhamos a liberdade de fazer dele o que fosse do nosso  desejo. Ninguém podia ficar parado, relaxando, por exemplo, pois, o tempo sempre devia estar preenchido com algo produtivo e logo compreendi que o padre do sonho estava certo.

Senti uma angústia e um certo desespero quando acordei do sonho levemente ofegante.

Na meio da madrugada, fiquei pensando sobre o seu significado ou sobre a correlação com a realidade.

De fato, somos vítimas da opressão do tempo na vida real, assim como ocorre nos regimes de ditadura.

A despeito de não existir um “sistema” ou um “regime”, a  modernidade nos impõe tanta pressão e tantas obrigações que praticamente não temos tempo para nada.

Não temos tempo para cuidar da gente; não conseguimos praticar pequenas “vadiagens”; não mais paramos para sentir o frescor da alvorada; não contemplamos nosso colorido crepúsculo até chegar a “boca da noite”; não mais olhamos as estrelas para procurar as “três Marias” ou o “Cruzeiro do Sul”; convivemos muito pouco com nossos familiares; não conseguimos bater papo com nossos amigos, ainda que por 05 minutos; não conversamos na calçada com nossos vizinhos; não conseguimos ficar sem fazer nada...

Se fizermos uma contabilidade do nosso tempo diário, poderemos constatar que raramente ou quase nunca nos permitimos desfrutar de pequenos prazeres.

O dia tem 24 horas e ainda é pouco. Fazendo-se um rápido exercício, tendo por base os afazeres diários do cidadão comum, quase sempre vamos ter um resultado negativo, isto é, falta tempo.

Pela manhã, levamos cerca de 15 a 20 minutos para tomar café da manhã. Depois, considere o tempo de deslocamento até o trabalho. Em seguida calcule o tempo que você fica no trabalho. Não se esqueça de adicionar o tempo do almoço, do retorno para casa, da aula de inglês, da academia. Ainda temos o banho, o jantar, a tarefa dos filhos, a conversa com o cônjuge e a atenção aos “filhotes”, a novela, o Big Brother ou o jogo de futebol, uma olhada nos e-mails, no facebook, uma lida em algumas páginas do livro de cabeceira. Se o ânimo permitir, tem a intimidade do casal ou dos companheiros.

Como se pode ver, dificilmente sobra tempo. Ao contrário, falta tempo, e cada vez mais.

Para que nosso dia não se transforme numa tragédia, temos que torcer para ter sorte de não ocorrer qualquer fato imprevisível como: o conserto do carro ou a necessidade de alguma a manutenção na casa, de resolver algum problema com seu gerente bancário, ir ao médico, ao dentista, reunião de pais na escola, aniversários ou outros eventos sociais. Tudo sem contar eventuais viagens de negócios, visita a alguém doente, velório e etc.

A frase que mais ouço quando encontro alguém que há tempos não vejo é a seguinte: “tô numa correria...”.

Ao invés de nos preocupar em reservar um tempo para a gente, preferimos bisbilhotar o tempo dos outros nas redes sociais.

Para quê tudo isso? Precisamos viver nessa loucura? Vale a pena o resultado final? Não estamos pagando um preço caro demais?

O tempo sempre foi o mesmo, no entanto, temos a nítida impressão que os dias, as semanas, os meses e o ano, em fim, tudo está passando mais rápido.

Essa sensação pode ser debitada pela facilidade e pela rapidez do acesso às informações e à comunicação. Assumimos cada vez mais obrigações e responsabilidades, abrindo mão de pequenos prazeres  e de hábitos saudáveis.

É óbvio que a modernidade e o progresso trouxeram mais conforto, facilidades, mais expectativa de vida. Mas será que é uma boa idéia ficarmos tão bitolados e submetidos à pressão de um mundo excessivamente consumista?

É claro que não.

Precisamos ter a consciência que “o tempo não para”, de modo que, ao chegar na velhice, olhar para trás e se arrepender daquilo não se fez, é o pior dos arrependimentos.

Não nos demos conta ainda, mas, na verdade, somos reféns do tempo moderno e o grande desafio é nos libertar, para que possamos ter o mínimo de “qualidade de vida”. Precisamos saber viver a vida e não simplesmente sobreviver.


Precisamos ter tempo de pensar, de refletir, de contemplar, para não ficamos alienados e escravizados pelo trabalho, apenas para acumular bens e poder.